Verão – o previsível imponderável
Os verões são sempre iguais – dirão uns, sob certos aspectos: dias mais longos, mais quentes e mais claros. No hemisfério Sul dura de vinte e um de dezembro até vinte e um de março. Um tanto efêmero, embora nem tanto quanto o voo das efeméridas. Por outro lado, para quem vive o verão, a cada ciclo da vida ele é diferente.
Pedrito não vê a hora de o galo cantar e o céu se vestir de alaranjado, pular da cama e ter um mundo inteiro para descobrir. Quer explorar cada miudeza, procurar insetos no jardim, pegar os guarus com as mãos em concha no córrego e correr atrás da bicharada. O verão o entusiasma, aprecia cada novidade e vive o momento presente, nem percebe o sol atravessar o horizonte, exceto na hora de dormir. Mal pode esperar as surpresas reservadas para o amanhã.
Pedrinho acorda mais tarde, veste a roupa de banho que realça o corpo, se junta aos biquínis e sungas na praia; joga futebol e voleibol na areia; no final da tarde sobe as dunas para ver o por do sol, recostado no ombro de alguém. À noite senta na roda, toca violão e canta, percorre os rostos bronzeados refletindo a luz da fogueira, à procura de um par de olhos brilhantes entre os corpos ardentes, suados e sedentos – com o qual ficar até o alvorecer. Ao fim do verão, entristece com as separações, pensa como seria bom se os verões fossem maiores e aguarda ansioso pelo final do ano seguinte.
As cores dos céus de verão já não surpreendem Pedro, nem as coisas miúdas lhe despertam curiosidade. Para ele, a estação dura trinta dias, no máximo, o tempo das férias em eventual viagem com a parelha. No espelho, as formas redondas não o animam a vestir uma sunga e o boné virou item essencial, precisa cobrir o “telhado”. Aprecia a cerveja que aprendeu a gostar em períodos passados, dos quais se lembra com uma saudade maior a cada ano. Ele economiza e planeja para os verões futuros, quando enfim se aposentar.
A cadeira balança num vai e vem preguiçoso, com os leves toques do corpo franzino de Vovô Pedro. Ele se alegra com a casa cheia, tem mais chances de contar histórias de pescarias, de correr atrás da bicharada, de como era bom no futebol, ou do achado da pessoa amada em uma roda de violão. Por instantes é um menino. Primeiro a acordar, talvez torne os dias mais longos. Voltou a apreciar as auroras, embora seja mais e mais difícil sair para o jardim. Já não tem forças para ver o por do sol nas dunas e nem todas as férias ocorreram como planejadas. Sabe que os seus verões são cada vez mais escassos e está certo de que para ele essa é uma estação efêmera, especialmente aquela do ocaso.
Com isso, já não sei se os verões tendem mais para iguais ou diferentes. Eles têm dias mais longos, mais quentes, mais claros e se repetem ano a ano, invariavelmente na mesma época, embora vivenciados por diferentes pessoas, cada uma ao seu modo. Por outro lado, sempre haverá Pedritos, Pedrinhos, Pedros e Vovôs Pedros, começando a viver essa mesma estação. Assim, à semelhança de uma equação, talvez o verão seja a soma de constantes, de escolhas e de acasos, um misto de previsível e imponderável.
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